Marcelo Duclos (*)
A melhor coisa que pode acontecer ao mundo é cada país sentar e negociar com os EUA, oferecendo-se para reduzir suas tarifas para alcançar acordos de livre comércio com “tarifa zero”, já que a relação entre pobreza e tarifas mais altas é absolutamente direta.
Felizmente, esse choque internacional encontrou a Argentina em uma boa posição. Sem déficit fiscal, com as contas em ordem e com uma moeda estável, no marco da limpeza do banco central. Imaginar esta semana com Sergio Massa como presidente, um estado falido e um mercado inundado de pesos prontos para uma corrida dá arrepios só de pensar.
No entanto, o que aconteceu nos mercados internacionais em resposta aos aumentos de tarifas dos EUA lança luz sobre um dos problemas atuais na Argentina, para o qual a oposição está pedindo uma abordagem contraproducente: o que é conhecido como “dólar atrasado” e o problema da taxa de câmbio.
É inegável que, mesmo com a inflação diminuindo gradativamente, muitos produtos no país continuam muito “caros”. Quando, numa análise superficial, se compara a mesma coisa com o equivalente no exterior (e se vê que é mais caro em Buenos Aires do que em Los Angeles, Nova York, Madri ou Berlim), não são poucos os que propõem “resolver” a questão por meio de um “ajuste” na taxa de câmbio. Ou seja, desvalorizando.
Nem é preciso dizer que esse problema não é novo. Isso aconteceu durante a era Kirchner, quando o dólar e o euro estavam em 10, 100, 500 ou 1.000. Naquela época, a taxa de câmbio era de fato “pisoteada”, já que os controles cambiais impediam que o valor real do peso e das moedas estrangeiras fossem expressos. Quando o “atraso” era perceptível e a moeda estava desvalorizada (na verdade, “embranquecida”), o ajuste de preços era mais do que efêmero. Logo os produtos ficaram mais caros novamente, com a diferença de que todos os assalariados ficaram cada vez mais pobres.
Os porta-vozes do movimento “viver com o que temos” não conseguem vincular essa questão à consequência inevitável do seu modelo de “substituição de importações”. No entanto, esse fenômeno de produtos caros e de baixa qualidade é consequência de uma economia fechada.
O cenário mais “caro” para um indivíduo é a economia da caverna ou do homem solitário em uma ilha. Ele tem que produzir o que precisa para sobreviver, dentro da estrutura de uma existência perigosa e miserável. Quando mais indivíduos aparecem em cena e a especialização e a divisão do trabalho surgem, todos se tornam mais ricos.
É comum ler nas redes sociais, por exemplo, a reclamação de um argentino que volta de uma viagem (talvez da Espanha) e percebe que os 100 gramas de presunto de boa qualidade que comprou lá por menos de dois euros custam três vezes mais aqui (com salários menores que os dos espanhóis). Entretanto, diante desse problema real, interpretações adequadas primam pela ausência.
Não há nenhum problema cambial por trás desse fenômeno. Tudo se resume à produção em larga escala, o que melhora a qualidade e reduz os preços. Enquanto os produtores espanhóis vendem para toda a União Europeia e vários países ao redor do mundo, os produtores argentinos, que operam em uma escala diferente, inevitavelmente encontram diferentes limites de produção, demanda e preço de venda.
Embora devamos baixar os impostos e nos abrir para o mundo, também devemos entender que a chegada de argentinos dos Estados Unidos ou da Europa com malas cheias de roupas, presentes e um celular novo se deve ao fato de que todos esses produtos têm um grande mercado, o que lhes permite produzir em grandes quantidades, com preços mais acessíveis para os consumidores. É por isso que um par de boxers, uma camiseta ou um par de meias na H&M ou na Forever custam alguns centavos, enquanto no mercado local eles tiram uma parte considerável do seu salário.
O extremo oposto da divisão do trabalho pode ser visto em um experimento interessante de um jovem que decidiu fazer um sanduíche de frango do zero e sozinho. Custou-lhe US$ 1.500 e seis meses de trabalho.
Essa realidade argentina deve servir de exemplo para o mundo inteiro, no marco da discussão sobre “tarifas recíprocas”. Infelizmente, todos os países têm lobistas poderosos que se beneficiam da venda de produtos mais caros aos consumidores locais. Assim, a luta de ideias, embora tenha resultados claros para avaliar, também tem poderosos inimigos corporativos e prebendários.
Embora o mundo culpe Donald Trump por iniciar o que foi apelidado de “guerra comercial”, é preciso reconhecer que isso é apenas o resultado de algo que começou antes. Ou seja, no momento em que o restante dos países decidiu dificultar a entrada de produtos americanos.
A melhor coisa que pode acontecer ao mundo é que cada país se sente e negocie com os EUA, oferecendo-se para reduzir suas próprias tarifas para alcançar acordos de livre comércio de “tarifa zero”, já que a relação entre pobreza e tarifas mais altas é absolutamente direta.
Embora vários parceiros comerciais e políticos dos EUA, como Israel, já tenham se sentado à mesa com boas intenções, há um ponto em comum que emerge da discussão e deve ser banido. A questão de buscar um “superávit”, ou pelo menos uma equivalência na balança comercial com cada parceiro. Assim como uma pessoa tem um “superávit” com seu empregador e um “déficit” com o supermercado onde faz compras, buscar um equilíbrio entre importações e exportações com parceiros não faz sentido. O importante é, em termos gerais, que os países (e as pessoas) não possam gastar (importar) mais do que o volume total do que produzem (exportar).
Se esse tema começa a surgir com insistência, infelizmente fica evidente que os lobistas contrários ao livre comércio estão operando no marco desse processo de instabilidade. Resta saber se o planeta finalmente começará a transição para um período de mais ou menos tarifas. Se optarem pela primeira opção, vários países que atualmente desfrutam de considerável prosperidade começarão a vivenciar em primeira mão muitos dos problemas que nós, argentinos, conhecemos de cor. Nada muito elevado ou filosófico: o supermercado mais caro e um padrão de vida geralmente mais baixo.
(*) Nascido em Buenos Aires em 1981, estudou jornalismo na TEA e obteve mestrado em Ciência Política e Economia na Eseade. Ex-colunista de opinião convidado do Perfil, Infobae, entre outros meios de comunicação. Ele foi produtor e editor de notícias da POP Radio, professor de Estrutura Econômica Mundial e gerente de comunicações na Universidade Naumann de 2010 a 2022. Ele é um entusiasta de comida e vinho e atualmente é estudante de sommelier. Músico e colecionador do Queen.