“Tenho ódio e nojo pela ditadura” diz Hugo Mota, presidente da Câmara dos Deputados

Em seu primeiro discurso como presidente da Câmara empossado, para um plenário lotado, o deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB) agradeceu a ampla votação, que chamou de um “consenso histórico” e pediu união nacional. “Podemos pensar diferente, mas somos todos iguais. Seja qual for a visão de mundo, o Brasil nos une e nunca pode nos separar. Somos o povo brasileiro e o Brasil é nosso único país”, disse. 

O novo presidente disse que seu compromisso será servir ao Brasil. “O povo brasileiro não quer discórdia, quer emprego. O povo brasileiro não quer luta pelo poder, quer que os poderes lutem por ele. O povo brasileiro não quer a divisão da ideologia, mas a multiplicação no seu dia a dia. Não temos tempo para errar, chega de zero a zero. O povo brasileiro quer resultado, quer emprego, quer melhora de vida, educação melhor para os seus filhos, quer segurança, um futuro melhor, um Brasil melhor”, acrescentou.

Em um aceno a setores financeiros e empresariais, Hugo Motta defendeu medidas de responsabilidade fiscal e enfatizou que “nada é pior para os mais pobres do que a inflação, a falta de estabilidade na economia”. “Não há democracia com caos social, não há estabilidade social com caos econômico”, observou.

Sobre a cobrança por transparência nas emendas parlamentares, embora não tenha citado o tema diretamente, Hugo Motta defendeu uma “radicalização da transparência nas contas que são, por definição, públicas” e falou na criação de uma plataforma integrada de todos os Poderes da República com os dados sobre recursos do orçamento.

Motta afirmou que parlamento forte é uma barreira de proteção da democracia e pediu harmonia entre os Três Poderes. “Ninguém é dono da Constituição”, pregou.

Em diferentes momentos de sua fala, citou Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte, para defender um parlamento forte. “Nenhum poder pode tudo e que todos, somente todos, podem representar, na totalidade, a democracia. Sem harmonia, a democracia pode ser irremediavelmente fraturada. Serei um guardião da independência e uma sentinela permanente da harmonia”, insistiu.

Por fim, em mais uma menção à defesa da democracia, Hugo Motta fez uma referência ao filme brasileiro Ainda estou aqui, dirigido por Walter Salles e estrelado pela Fernanda Torres, que narra a trajetória de Eunice Paiva na luta contra a ditadura, após o seu marido, Rubens Paiva, ter sido preso, torturado e executado por agentes da ditadura militar que governou o Brasil de forma autoritária entre as décadas de 1960 e 1980, perseguindo e matando opositores. “Deixo uma mensagem de otimismo: ainda estamos aqui”, encerrou Motta, arrancando aplausos do plenário.

Leia a íntegra do discurso:

Minhas amigas e meus amigos, nesta cadeira de Ulysses, às vésperas de completarmos 4 décadas do fato, em homenagem a todos os presentes, aos brasileiros, à democracia, ao respeito às instituições e entre as instituições, faço questão de relembrar o gesto histórico de Ulysses ao promulgar a Constituição que juramos respeitar: viva a democracia! Viva a democracia! Viva a democracia! (O Presidente levanta-se e exibe a Constituição Federal.) E foi pelo MDB de Ulysses que cheguei a esta Casa, com apenas 21 anos, em 2011. Com muito orgulho, posso dizer que o MDB foi minha escola e minha faculdade de política brasileira. A memória de Ulysses deve iluminar corações e mentes nestes tempos difíceis. Ao contrário dos debates parciais, o Parlamento jamais avançou em suas prerrogativas. Foi justamente o contrário. A vontade dos Constituintes originários foi adiada por quase 4 décadas. E qual vontade era essa? Ninguém é melhor para descrevê-la do que o próprio Ulysses Guimarães, em seu histórico discurso de promulgação da Carta de 1988. Pontificou Ulysses: “Se a democracia é o governo da lei, não só ao elaborá-la, mas também para cumpri-la, são governo o Executivo e o Legislativo”. Repito o que disse Ulysses: “São governo o Executivo e o Legislativo”. E Ulysses continua, naquele dia histórico: “O Legislativo brasileiro investiu-se das competências dos parlamentos contemporâneos”. Que competências eram e são essas? O parlamentarismo! Ele não pregou o parlamentarismo como nova forma de governo, mas disse que o Parlamento se investia das competências dos parlamentos — parlamentos parlamentaristas — contemporâneos. Ou seja, ele afirmava que o presidencialismo absoluto deixava de existir com a nova Constituição. Isso já em 1988. E mais do que afirmar, ele descrevia o que os novos mecanismos constitucionais previam. Ulysses, em seu discurso, desenhava a função constitucional deste Parlamento já então. Palavras do Senhor Constituinte: “É axiomático que muitos têm maior probabilidade de acertar do que um só”. Quem era o “um só” a que se refere Ulysses? O superpresidente, o presidencialismo absoluto, cuja sentença de morte estavam sendo decretada naquele momento, na inauguração da nova Constituição, no mesmo célebre discurso em que pronunciou a frase que ainda ecoa nestas galerias: “Tenho ódio e nojo à ditadura!” (Palmas.) Não existe ditadura com Parlamento forte. O primeiro sinal de todas as ditaduras é minar e solapar todos os Parlamentos. Por isso, temos de lutar pela democracia. E não há democracia sem imprensa livre e independente. Quero aqui agradecer a todos os jornalistas presentes neste sábado e parabenizá-los pelo trabalho tão fundamental de noticiar diariamente aos milhões de brasileiros os acontecimentos desta Casa. Lutamos pela harmonia e independência entre os Poderes porque defendemos a democracia, lutamos pela democracia, somos frutos da democracia. Não somos 513 Deputadas e Deputados. Somos os representantes de 212 milhões de brasileiros que só estamos aqui pela vontade popular. Somos escolhidos para representar o povo e, falando em Constituição, somos o símbolo daquele princípio que não por acaso foi inscrito no primeiro artigo, o primeiro texto constitucional: “Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”. Não se disse “quase todo poder”, “algum poder”, “uma parte”. O primeiro artigo deixou claro que o antídoto ao arbítrio é o respeito à soberania popular, toda ela, e desrespeitá-la, seja o mínimo que for, é desrespeitar a Constituição, é violar a democracia. Minhas amigas e meus amigos, os Constituintes estabeleceram a corresponsabilidade e a coparticipação do Governo. Portanto — e aqui cabe fazer uma importante observação do ponto de vista histórico —, não dialogo neste momento com as circunstâncias: o Legislativo jamais avançou em nenhuma prerrogativa, no presente ou no passado presente. A rigor, nunca. Na verdade, o Poder Legislativo recuperou suas prerrogativas, definidas pelos Constituintes originários, proclamadas aqui, nesta mesma cadeira, e o fez após os tormentosos abalos desde a redemocratização. Esse atraso se deu por um mecanismo político, na verdade um eufemismo de nome pomposo, mas de funcionamento que se provaria perverso, o chamado “presidencialismo de coalizão”, nada mais nada menos do que a locação, o aluguel, o empréstimo do poder sem presidencial do Legislativo ao Executivo através de uma coparticipação não autônoma e independente, como inscrita na Constituição e descrita por Ulysses, mas submissa, subordinada, sob o cabresto do poder do presidencialismo. Ou seja, saímos do presidencialismo absolutista por obra e graça de uma Constituição legítima e promulgada e, pelas circunstâncias, resvalamos por outros meios para um absolutismo presidencial que a Constituição não previa através do arranjo, da cooptação do Parlamento, do “toma lá, dá cá”, de uma espécie de arrendamento do Poder do Legislativo pelo Executivo. Faço uma rápida digressão histórica, até para registro, antes de chegar ao ponto que interessa, sem emitir juízos de valor. O resultado dessa acomodação e seu distanciamento dos princípios dos Constituintes levou ao primeiro impeachment — sintoma claro do poder constitucional novo do Parlamento, ainda não compreendido pelo sistema político —; a inúmeros abalos e escândalos; às crises que só ganharam proporção; ao segundo impeachment; até à erosão completa do sistema político como um todo e à onda antipolítica. Foi nessa época que aqui, nesta Casa, em 2016, por meio da adoção das emendas impositivas, que o Parlamento finalmente se encontra com as origens do projeto constitucional e se afirma. (Palmas.) A crise exigia uma nova postura, o fim das relações incestuosas entre Executivo e Legislativo e a afirmação e a independência como resposta para que ambos os Poderes governantes, como definiu Ulysses, pudessem se reposicionar e atravessar a tempestade da maior crise desde a redemocratização. Qual foi o guia escolhido? A Constituição: a coparticipação e a corresponsabilidade. Estamos num ponto de onde nunca deveríamos ter nos desviado, aquele que mandou a Constituição e por tanto tempo foi adiado. E é importante destacar: fazemos parte, todos nós, todas as senhoras e todos os senhores fazem parte da solução e não do problema. Basta ver algumas das fundamentais contribuições, reformas e votações deste Plenário em que V.Exas. contribuíram a favor de um Brasil melhor. Minhas amigas e meus amigos, tenho a humildade de reconhecer que podemos e temos de nos aperfeiçoar sempre, mas também tenho absoluta certeza de que o passado é um caminho sem volta, pois sabemos todos muito bem onde termina: termina na destruição da política, no colapso da democracia. E isso não podemos mais correr o risco de experimentar. Têm razão os que pregam por mais transparência. Sou o primeiro dessa fila. Sou a favor de uma radicalização quando falamos da transparência nas contas que são, por definição, públicas. Temos hoje tecnologias nas plataformas digitais capazes de acompanhar em tempo real cada centavo despendido por todos os Poderes. Por que este Parlamento, responsável que é pelo Orçamento, como determina a Constituição, não oferece à sociedade uma plataforma integrada de todos os Poderes, todos, para que os brasileiros e as brasileiras possam acompanhar todas as despesas, em tempo real, de todos os Poderes?  Transparência total de todos — a sociedade brasileira agradece. Na questão da transparência, o que não pode haver é opacidades e transparências relativas, porque o princípio é o da igualdade entre os Poderes. A Praça, sempre lembremos, é dos três, e não de um nem de dois Poderes. Quando não é dos três, não é a praça da democracia. E todos defendemos a democracia, porque, sem democracia, este livro não é a Constituição, não é a civilização, é um pedaço de papel, é letra morta. Vamos lutar pela Constituição, pela nossa Constituição! Tudo isso para concluir: estamos virando uma página da história. Todos os ruídos dos últimos anos, o estranhamento dos diversos agentes diante da afirmação do Poder Legislativo, as reações, geraram momentos de maior ou menor tensionamento. Agora sabemos que não estamos no ponto de chegada, mas no ponto de partida, onde nos colocaram os Constituintes e onde por décadas as circunstâncias não nos permitiram estar. Quando cada um reconhece o seu lugar, o nome disso é respeito. Passou o tempo do dedo na cara. É hora do olho no olho. O respeito não grita. O respeito ouve e se faz ouvir. (Palmas.) Minhas amigas e meus amigos, partindo para as considerações finais, faço uma referência especial à importância da dinâmica de harmonia que deve existir entre os três Poderes. Ninguém é dono da Constituição. Todos somos seus devotos defensores e todos, sem exceção, devemos a ela obediência. A Constituição está acima de todos, e nada ou ninguém, acima dela, porque, fora disso, a democracia que a concebeu estará ferida de morte. CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO – DETAQ CD (1ª Sessão Plenária, Sessão Preparatória – Eleição) Texto com redação final. 01/02/2025 A democracia não tem dono. Somos todos donos da democracia. Porque, se a democracia tem um dono, a democracia não é de ninguém. Democracia só é democracia se é de todos. Estaremos sempre com a democracia, pela democracia, do lado da democracia. E seus inimigos, sibilinos ou ferozes, encontrarão no Legislativo uma barreira, como sempre encontraram ao longo da história. (Palmas.) Poderes têm a obrigação de não apenas serem independentes, mas também de zelarem pela harmonia. Porque, sem harmonia, que muitas vezes se traduz na autocontenção, na compreensão de que nenhum poder pode tudo e de que todos, somente todos, podem representar na totalidade a democracia, sem harmonia, a democracia pode ser irremediavelmente fraturada. Serei um guardião da independência e uma sentinela permanente pela harmonia. Todos temos nossas raízes, e há sempre um mistério que habita cada um de nós quando chegamos a este plenário, trazidos pela invisível e insondável vontade popular. Viemos todos das mais diferentes origens, com as mais diferentes trajetórias e aqui nos encontramos para convergir, dialogar, discordar, mas acima de tudo para cumprir o nosso dever com algo que está acima de nós: esta instituição e o que ela representa, o povo brasileiro, seus anseios, suas necessidades. No meu quarto mandato, venho da minha amada Paraíba e da minha amada Patos, a minha terra, que é o meu barro. Minha família me moldou e me forjou: meu pai, Nabor, e a minha mãe, Ilana. À minha grande referência de vida, minha avó, uma guerreira, Francisca Motta, (Palmas.) a minha felicidade de fazer você feliz neste momento. Eu sou a flecha que um dia você lançou. Minha mulher, Luana, a quem devo a minha felicidade, a parceria, as palavras sinceras na hora sempre certa, e os amores da minha vida, Paola e Hugo Filho. Temos muito o que fazer, antes de tudo colegas de trabalho e de vida. Eu sei a responsabilidade que me espera e sei também que ninguém faz nada sozinho. Citando pela última vez Ulysses, muitos têm maior probabilidade de acertar do que um só. Vamos fazer o que é certo, pelo bem do Brasil! O Brasil não pode errar, e não podemos deixar que ninguém erre contra o Brasil. Temos de estar sempre do lado do Brasil. Em harmonia com os demais Poderes, encerro com uma mensagem de otimismo: ainda estamos aqui!  Muito obrigado. (Manifestação no plenário: Hugo! Hugo! Hugo! É anistia!)

 

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